23.9.09


Ele não desiste
Em um movimento surpreendente, Eike Batista tentou comprar seu acesso no bloco de controle da Vale. Foi barrado. Agora ele prepara uma nova ofensiva ao mesmo tempo que abre uma nova frente de negócios
André Valentim
Eike Batista: ele não descarta a hipótese de fazer uma oferta hostil para entrar na Vale

Por Renata Agostini 17.09.2009 00h01

Se existe um traço marcante na personalidade do empresário Eike Batista é a obstinação. Nos últimos quatro anos, ele se tornou o modelo mais bem acabado de empreendedor serial no Brasil, com a criação de quatro novas empresas e a espetacular abertura de capital de todas elas. O sucesso desses negócios fez com que Eike passasse a integrar a lista de bilionários da revista americana Forbes. Nos últimos dias, porém, Eike sofreu o que muitos encararam como uma de suas maiores derrotas. No mês passado, ele esteve na sede do Bradesco, na Cidade de Deus, em Osasco, com uma proposta de compra da participação do banco na Bradespar, empresa que reúne ativos não financeiros da instituição. Recebeu um não. A compra da Bradespar seria sua porta de entrada no bloco de controle da Vale, da qual 9% estão nas mãos da Bradespar -- fundos de pensão estatais como a Previ, a BNDESPar, divisão de participações do BNDES, e a japonesa Mitsui possuem o restante das participações no bloco. Fazer parte do comando da Vale se tornou uma espécie de idéia fixa de Eike nos últimos quatro meses. Ele não mediu esforços para entregar a proposta de compra da Bradespar a Lázaro Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco, enquanto costurava nos bastidores conversas com Sérgio Rosa, presidente da Previ, e com interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O valor do negócio era estimado em 9 bilhões de reais. Eike não fala sobre as negociações, mas admitiu em entrevista a EXAME o significado da operação. "Entrar na Vale. é o sonho de qualquer minerador", disse ele.
A recusa do Bradesco pode não ser o ponto final dessa história. Mal os banqueiros da Cidade de Deus recusaram a proposta de compra da Bradespar, Eike começou uma intensa movimentação para encontrar novas alternativas de entrada na mineradora. A amigos próximos, ele afirmou que não descarta usar o caixa de suas empresas para iniciar uma ofensiva de compra das ações da Vale disponíveis na bolsa até atingir uma participação que lhe garanta parte do controle. Em tese, seria uma estratégia possível. Mas o próprio Eike sabe que o Brasil não tem tradição em ofertas hostis. Numa outra frente, ele mantém contatos com a Previ sobre a possibilidade de aquisição da parte do fundo de pensão na mineradora, que hoje corresponde a 14,5% do capital total. "Além de ser mais uma prova de sua ousadia como empresário, a entrada de Eike na Vale resolveria todos os seus problemas", diz um executivo ligado ao empresário. Na verdade, seria um passo decisivo para Eike definir o destino de sua própria mineradora, a MMX.
Desde a eclosão da crise financeira global, a MMX passa por dificuldades que a levaram a um prejuízo de 848 milhões de reais no ano passado. A MMX é hoje a única companhia em fase de geração de caixa operacional do chamado grupo X, o que a torna de importância vital para garantir a confiança do mercado no sucesso dos demais negócios de Eike -- os projetos da LLX (logística), da MPX (energia) e da OGX (gás e petróleo) ainda estão em fase de implantação. Os problemas da empresa começaram com a compra de duas minas entre janeiro e julho do ano passado, no valor total de 318 milhões de dólares, o que elevou substancialmente sua dívida. O que já não era um cenário favorável piorou -- e muito -- com a eclosão da crise. A MMX foi atingida em duas frentes, o que minou sua capacidade de reação. O primeiro baque veio com a queda abrupta nas vendas de minério de ferro. O segundo, financeiro, estava vinculado à aposta de Eike em derivativos e em contratos de frete para embarque de minério que não se concretizaram.
Diante das dificuldades, Eike partiu para uma operação de socorro. No início do ano, aportou 200 milhões de dólares por meio de debêntures subscritas por ele, ou seja, dinheiro de seu próprio bolso. Ao mesmo tempo, começou a acalentar a perspectiva de vender sua mineradora à Vale -- uma forma de lucrar com a nascente MMX, que ainda precisa captar 1,1 bilhão de dólares para garantir o plano de expansão prometido aos investidores. Em fevereiro, Eike chegou a iniciar negociações com o presidente da empresa, o executivo Roger Agnelli. Mas, diante da demora no avanço do negócio, partiu para o projeto de entrada no controle da mineradora. Apesar de seu poder de fogo -- Eike tem uma participação acionária em empresas abertas correspondente a cerca de 14 bilhões de dólares e excelente relacionamento com os banqueiros do país --, sua eventual entrada na Vale, é uma operação complexa que envolve um enorme jogo político às vésperas de uma corrida presidencial. Eike está longe de ser uma unanimidade no governo. Seu discurso nacionalista, tido por ele próprio como seu grande trunfo, é visto com reserva. E o motivo é justamente suas negociações no ramo de mineração. Nos últimos anos, Eike vendeu três de seus projetos na área para grupos estrangeiros. E, agora, como alternativa para a capitalização da MMX, costura um acordo de venda de parte da companhia para a chinesa Wuhan Steel por 400 milhões de dólares. "Isso acaba passando uma imagem de que ele é pouco confiável e que permitir seu acesso à Vale. pode ser um risco", diz um executivo que acompanhou as negociações.
A movimentação para chegar à Vale e resolver o destino da MMX está longe de consumir a rotina de Eike. Fiel a um estilo que seus críticos qualificam de pura megalomania, ele continua a planejar freneticamente novas empreitadas para o grupo EBX. A mais recente é a OSX, que se dedicará à construção de navios-sonda e plataformas de exploração de petróleo. A OSX adquiriu um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados no município de Biguaçu, no litoral de Santa Catarina, para a construção de seu primeiro estaleiro. Para tocar o investimento de aproximadamente 2 bilhões de reais, Eike negocia a entrada de investidores estratégicos, que devem ser definidos nos próximos meses. Será a vez, então, de a OSX chegar à Bovespa. "Tudo caminha para um IPO no início do ano que vem", diz Eike. Enquanto se prepara uma nova abertura de capital, ele também arquiteta sua volta ao setor de mineração de ouro -- seu primeiro ramo de negócios e origem de sua fortuna pessoal. Em agosto, a EBX entrou na exploração de ouro na Colômbia ao comprar 12% da canadense Ventana Gold por 41 milhões de dólares. Outro projeto em andamento é a criação de um fundo de private equity, com patrimônio de 10 bilhões a 20 bilhões de reais para investimentos em projetos de infraestrutura e logística no Brasil, na Colômbia e no Chile. Em julho deste ano, Eike e uma comitiva de executivos partiram para um roadshow por países da Ásia e do Oriente Médio na tentativa de atrair investidores interessados no novo projeto.
Por trás da inesgotável capacidade de criação de empresas e novos projetos está a convicção de Eike de que o apetite dos investidores por suas criações não irá esgotar tão cedo. Mas, se a lua-de-mel com investidores continua -- suas empresas já recuperaram boa parte do valor de mercado perdido durante a crise --, o empresário tem sido obrigado a lidar com uma profunda reorganização de seu quadro de executivos. Desde o início de 2009, três de seus principais diretores pediram demissão. Marcelo Cheniaux, diretor financeiro da holding EBX, que estava no grupo desde 2002 e cuidava dos investimentos pessoais de Eike no exterior, deixou a empresa em janeiro. Cinco meses depois, foi a vez de Ricardo Antunes, então presidente da LLX, que estava na empresa há três anos, deixar o cargo. No mês passado, Adriano Vaz, homem de confiança de Eike, responsável por novos negócios e pela área de relações institucionais da EBX há sete anos, também saiu do grupo. O motivo para a debandada, segundo pessoas próximas aos executivos ouvidas por EXAME, foi o altíssimo grau de estresse nas empresas e o enorme volume de projetos a ser tocados. Paralelamente a essas saídas, outros dois altos executivos foram deslocados pelo próprio Eike de suas posições de comando. O diretor-geral da MMX, Joaquim Martino, deixou o posto e assumiu uma vice-presidência no conselho da companhia. E Rodolfo Landim, ex-presidente da BR Distribuidora que foi atraído para o grupo a peso de ouro em 2006, deixou a presidência da OGX para assumir uma consultoria de novos negócios da EBX. Oficialmente trata-se de promoções, mas dentro do grupo as novas posições de Martino e Landim são tratadas pelo nome nada glamouroso de "geladeira do Eike".Do alto de sua absoluta confiança em seu faro para bons negócios, Eike continua a encarar com singular otimismo o futuro de suas empresas. Ri daqueles que duvidam do sucesso da campanha de exploração de petróleo da OGX na bacia de Campos, iniciada há um mês. Também não hesita em afirmar que o superporto do Açu, que a LLX constrói no Rio de Janeiro, será peça-chave da economia do país. "Não vai ter empresa estrangeira que queira investir no Brasil e não esbarre no Açu", diz ele. E segue mirando alto. Hoje, todas as suas empresas, juntas, valem 45 bilhões de reais na bolsa. Em três anos, ele garante que elas chegarão a 120 bilhões de reais. "Eu tenho um parque de diversões em minhas mãos. É só me deixarem trabalhar", diz ele, com a mesma inesgotável autoconfiança que lhe permite sonhar que um dia terá entre seus negócios um considerável quinhão da segunda maior mineradora do mundo.