28.10.09

Santander Bate Recorde!


Recorde mundial. E agora?
O espanhol Santander promove o maior lançamento de ações do mundo neste ano e mostra que o Brasil virou um dos principais palcos da competição entre bancos no mercado global

Germano Lüders
Fabio Barbosa, presidente do Santander no Brasil: o difícil agora é entregar o prometido aos acionistas

Por Fabiane Stefano e Guilherme Fogaça
Há exatamente um ano, Fabio Barbosa, presidente da operação brasileira do Santander, estava acuado. Seu chefe, o espanhol Emilio Botín, controlador do Santander, não escondia sua irritação. Em uma coletiva de imprensa organizada no hotel Grand Hyatt, na zona sul de São Paulo, em outubro de 2008, Botín declarou, com toda a pompa, que seu objetivo era transformar o Santander no "maior banco privado do Brasil". Numa daquelas coincidências históricas cheias de ironia, três dias depois o Itaú e o Unibanco anunciavam a maior fusão bancária do sistema financeiro brasileiro, tomavam a dianteira e se isolavam na liderança. Extremamente contrariado, Botín deixou claro aos membros do alto escalão do Santander no Brasil que eles deveriam ter descoberto a negociação a tempo de evitar o fiasco da coletiva -- no mercado, o anúncio no Grand Hyatt virou piada. Mas, no dia 7, a oferta inicial de ações da operação brasileira do Santander, feita simultaneamente na Bovespa e na bolsa de Nova York, lembrou que é prudente não zombar do banco espanhol. Após captar 14,1 bilhões de reais, a maior oferta inicial de ações de todos os tempos na Bovespa e a maior do mundo neste ano, o Santander mostrou que está fortalecido para brigar por espaço no mercado brasileiro.
Mesmo que o antigo plano de ocupar o primeiro lugar no ranking dos bancos privados pareça por ora quase impossível -- o líder Itaú Unibanco tem quase o dobro de ativos --, o Santander tem hoje tamanho, presença geográfica e dinheiro para, pelo menos, incomodar os três que estão à sua frente: Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Bradesco.
Passada a abertura na bolsa, Barbosa, um paulistano de 54 anos, enfrenta agora a pressão de milhares de acionistas, ávidos por saber como o Santander investirá seus 14,1 bilhões de reais e como os transformará numa riqueza ainda maior. Nas semanas que antecederam o lançamento dos papéis, Barbosa participou de uma maratona de encontros com investidores no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Deixou claro que sua meta é ganhar, em cinco anos, pelo menos 2 pontos percentuais de fatia de mercado nos principais segmentos em que atua -- entre eles estão o de crédito imobiliário e o de pequenas e médias empresas. A mensagem era que o banco não quer apenas se beneficiar do crescimento esperado do país. Ele promete fazer isso e, ao mesmo tempo, tirar clientes da concorrência. Também ficou claro que o Santander não estava vendendo suas ações com base no desempenho passado -- o histórico de rentabilidade do banco no Brasil, cerca de metade dos rivais em 2008, não impressiona. O preço de suas ações reflete as promessas de crescimento. Agora Barbosa e sua equipe têm o compromisso de entregar.
Mesmo em um setor povoado por egos mastodônticos, parte da concorrência reconhece em Barbosa um profissional de rara habilidade -- ele foi alçado ao comando do Santander mesmo depois de o banco que presidia, o ABN Amro Real, ter sido comprado pelos espanhóis, algo raro em qualquer mercado. Hoje comanda a segunda maior operação do Santander no mundo. Mas os adversários também dizem que seu maior teste está apenas no início. A competição para valer começa agora. Nos últimos tempos, os principais bancos brasileiros adotaram à risca a lei do mais forte -- em poucas palavras, os grandes engoliram os mais fracos. O Banco do Brasil, por exemplo, é resultado do acréscimo do Votorantim e da Nossa Caixa. O Itaú Unibanco, além dos dois bancos que o compõem, soma os antigos BankBoston, BBA e Nacional. E assim por diante. O resultado foi uma concentração sem precedentes na história do sistema financeiro. Atualmente, os dez maiores bancos do país respondem por 94% das agências bancárias. Há dez anos, essa participação era de 76%. A soma dos ativos dos quatro primeiros bancos do ranking quase dobrou desde 2007 -- em meio, é bom lembrar, à maior crise bancária internacional em sete décadas. Até 2007, não havia nenhum brasileiro na lista dos 20 primeiros do mundo por valor de mercado. No início de outubro, o Itaú Unibanco era o 11o e o Bradesco 17o. "As grandes instituições financeiras estão olhando para a frente e se preparando para o Brasil que virá", diz Aldemir Bendini, presidente do Banco do Brasil, que nos últimos meses empreendeu uma maratona expansionista. Embalados pela política anticíclica do governo e com uma agressividade incomum, os bancos públicos aumentaram sua fatia de mercado de 34% para 40% nos últimos 12 meses. "Todo mundo quer manter o que tem e conquistar novos espaços."
Só que isso fica mais difícil a cada dia. Por falta de novos alvos, a estratégia de crescer pela compra de concorrentes está se esgotando. Agora os predadores direcionam suas baterias uns contra os outros. "A única forma de crescer é competir diretamente para conquistar clientes e conceder crédito", diz Rodrigo Dantas, diretor responsável pela área financeira da consultoria Roland Berger. Pode parecer paradoxal, mas a concentração tem servido para estimular, e não refrear, a competição. É um fato em linha com os resultados da pesquisa econômica de ponta. No passado, a teoria econômica clássica afirmava que a competição crescia conforme aumentava o número de competidores. O mundo ideal para os economistas era o da "concorrência perfeita", formado por milhares de pequenos produtores. Na prática, alguns dos mercados mais competitivos são formados por um número reduzido de grandes empresas, dispostas a tudo para seduzir o consumidor. "Em muitos casos, a concentração estimula a inovação", diz Elizabeth Farina, ex-presidente do Cade, órgão que vigia a competição no país.
Os primeiros sinais da competição mais acirrada já se fazem sentir. Com a tendência de queda dos juros e a perda da rentabilidade dos títulos públicos, nos últimos anos os bancos passaram a aumentar o volume de empréstimos. Das cinco áreas tidas como prioritárias para a maioria dos bancões -- seguros, financiamento imobiliário, crédito ao consumidor, crédito a pequenas e médias empresas e cartões --, quatro estão em franco crescimento (a exceção é o crédito para empresas médias, que ainda patina). Segundo dados do Instituto Assaf, de São Paulo, a concessão de crédito representava 49% das receitas financeiras dos bancos há dez anos. Em 2008, esse índice atingiu 63% e a perspectiva é que siga subindo. Essa postura mais agressiva se reflete na redução dos spreads. Segundo dados da consultoria paulista Tendências, a diferença entre o que o banco paga para captar dinheiro e o quanto ele cobra nos financiamentos para pessoas físicas deve terminar 2010 em 22,6% -- um percentual altíssimo, mas ainda assim o menor nível da década. "Os bancos estavam acostumados a ganhar mais pela taxa do que pelo volume. Agora, entramos na era em que o ganho virá com escala", diz Alexandre Assaf Neto, professor de finanças da Universidade de São Paulo.
A escala deverá ser impulsionada pelo bom momento da economia brasileira. É uma situação surpreendente para qualquer brasileiro com mais de 30 anos. O cenário com que muitos bancos trabalham prevê que a economia vai crescer cerca de 5% ao ano até a Olimpíada de 2016 (é isso mesmo, leitor, você não está sonhando) -- taxa que poucos países esperam alcançar. Essa expectativa está embutida no preço das ações dos bancos -- é isso o que em parte explica a alta de 80% dos papéis das três maiores instituições neste ano. "O Brasil já teve vários períodos de euforia, seguidos de decepção. Nos anos 70, havia um sentimento de que ninguém segurava o país. Hoje é diferente. Também existe essa euforia, mas ela é merecida. O Brasil é visto por suas oportunidades", diz o economista americano Thomas Trebat, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Columbia.
É esse ambiente promissor que está induzindo o aumento da disputa entre os grandes bancos. Na busca por aproveitar as oportunidades de que fala Trebat, cada instituição está reforçando a própria estratégia de crescimento. "O que determina o nível de disputa são a ambição e a cultura de cada banco", diz Rodolfo Spielmann, sócio da consultoria Bain & Company. Até mesmo seus principais concorrentes reconhecem que instinto agressivo não falta ao Santander. Em meados dos anos 80, o banco era o sexto maior da Espanha. Após uma série de aquisições, chegou ao topo do ranking espanhol e do mundial -- hoje ocupa a oitava posição na lista dos maiores por valor de mercado. No material informativo distribuído aos investidores na Bovespa, o banco de Botín promete direcionar 70% dos recursos captados -- cerca de 10 bilhões de reais -- para a expansão de sua rede no Brasil, o que inclui a abertura de 600 novas agências até 2013. Se o plano for cumprido, dará uma média anual de 150 unidades inauguradas. A título de comparação, desde o início de 2009 foram abertas no país 96 agências por todos os bancos. Em média, a abertura de uma agência custa cerca de 1 milhão de reais -- sem contar os gastos em tecnologia da informação. Uma vez aberta, é preciso esperar dois anos para que comece a cobrir seus custos. O discurso de Botín é que tudo isso será feito sem diminuir o atual número de agências. "Não haverá problema algum em ter duas na mesma rua -- desde que ambas sejam rentáveis", diz um executivo do Santander que pediu para não ser identificado. Do ponto de vista dos bancos, o crescimento econômico previsto para o Brasil impõe dois grandes desafios: um é explorar o potencial de pessoas e empresas que já estão em suas carteiras e o outro é conquistar o enorme contingente de "bancarizáveis" -- um neologismo de gosto duvidoso usado para descrever o grupo formado por 75% das pequenas e médias empresas que ainda não têm um relacionamento assíduo com uma instituição financeira e pelos 56 milhões de membros das classes média e baixa sem conta bancária. Poucos países contam com um contingente tão grande de clientes em potencial -- o que leva o Brasil a ser apontado como um dos mercados mais promissores do mundo. A cada dia, 53 000 novas contas são abertas por pessoas e empresas no país.
Entre os bancões privados, o Bradesco é o mais presente na base da pirâmide. A agência do Bradesco que mais abre contas no Brasil fica em Montes Claros, em Minas Gerais, mas é por meio do Banco Postal e de seus correspondentes que o banco consegue manter os custos sob controle e atingir a invejável marca de 16 novos clientes de baixa renda por minuto. Das 8 milhões de contas que foram abertas desde o começo da década pelo Bradesco, 5 milhões estão ativas, a maior parte nas regiões Nordeste e Sudeste. Uma delas é a de Pedro José de Queiroz, de 28 anos. Mineiro da cidade de Bocaiúva, Queiroz mudou para a cidade de São Paulo há sete meses, conseguiu uma vaga de ajudante na obra da linha amarela do Metrô e, no começo de outubro, abriu sua primeira conta. "Pedi apenas o cartão de débito. Por enquanto, só vou sacar o dinheiro", diz ele, que já aprendeu a mexer no terminal de auto atendimento.
Ao investir em quem está na base da pirâmide, o objetivo do Bradesco não é atingir altas taxas de retorno no curto prazo -- a baixa rentabilidade é característica marcante desse segmento. "Nossa meta é casar, não namorar. Queremos acompanhar a ascensão de quem hoje é classificado como de classe baixa até a classe média", diz Odair Rebelato, vice-presidente do Bradesco responsável pela área de varejo. De acordo com dados da Fundação Getulio Vargas, de cada 100 pessoas da classe D, 30 sobem anualmente para a classe C. O mesmo movimento ascendente ocorre entre quem já é classe C: de cada 100 pessoas, cinco são promovidas à B. A percepção do Bradesco e do Banco do Brasil, os dois mais ativos nesse segmento, é que a hora de conquistar esse cliente é agora. "Uma prova da mobilidade social é que 65% dos empréstimos do banco vão para clientes que nunca antes tomaram crédito", diz Domingos Abreu, vice-presidente do Bradesco que responde pela área de controladoria. Uma pesquisa do Instituto Data Popular, a pedido da agência McCann Erickson, mostra que a baixa renda se relaciona pouco com os bancos. Menos de um terço dos que têm conta a utiliza como Queiroz, o operário do Metrô: apenas para receber o salário e sacar o dinheiro.
Como bem aprendeu o Santander na Espanha, o relacionamento de longo prazo entre bancos e clientes está intimamente ligado ao crédito imobiliário. Em março deste ano, o Santander fechou um acordo com a consultoria imobiliária Sotheby's para oferecer financiamento a imóveis de alto padrão. Para ampliar o número de clientes de alta renda, o banco comandado por Barbosa acabou com o teto que havia para os financiamentos. Apesar de iniciativas como essa e de sua experiência acumulada, os executivos do Santander sabem que não vão ter moleza. Em todas as filiais da Coelho da Fonseca, uma das maiores consultorias imobiliárias de São Paulo, existem funcionários do Itaú Unibanco para dar informações e fechar contratos. Além disso, o banco firmou um contrato de exclusividade até 2027 com a Lopes, maior consultoria imobiliária do Brasil, para a oferta de financiamentos.
Financiar imóveis, por si só, não é uma operação extremamente vantajosa. O spread -- diferença entre o que o banco paga para captar dinheiro e o quanto ele cobra de juros -- é, em média, de cerca de 1% ao ano, muito inferior ao de outras operações, como o cheque especial, no qual essa diferença chega a 150% ao ano. Para os bancos, porém, o financiamento imobiliário é visto como uma âncora que evita a migração de clientes e permite a venda cruzada de outros produtos no longo prazo. Segundo dados da consultoria AT Kearney, um ano após a contratação dos financiamentos, os clientes passam a gerar uma receita média de 200 reais por mês para os bancos com o uso de outros produtos, como seguros e cartões. "O impacto disso ao longo de um financiamento de 30 anos é enorme", diz Silvana Machado, vice-presidente da consultoria AT Kearney.
É nesse ambiente extremamente competitivo, mas cheio de oportunidades, que o Santander de Botín e Barbosa terá de conquistar mercado da concorrência. Apesar dos desafios, quem esteve há pouco tempo com Botín diz que o espanhol está encantado com o Brasil. Ao desembarcar em São Paulo recentemente, Botín ficou preso em um dos infindáveis engarrafamentos enfrentados pelos paulistanos. Em vez de reclamar, passou parte do tempo observando as gruas dos edifícios em obras, as fachadas das lojas e os carros novos. Aos executivos que estavam com ele, Botín, esbanjando bom humor, dizia que todo o caos significava também prosperidade -- e oportunidade. Não consta que tenha passado na frente do hotel Grand Hyatt.